TRF-2 decide a favor de tributação sobre a atualização de bens transferidos por herança
O Tribunal Regional Federal da 2ª Região (TRF-2), com sede
no Rio de Janeiro, entendeu que deve ser cobrado Imposto de Renda (IRPF) sobre
a atualização dos bens transferidos por herança. Os desembargadores não
aplicaram precedentes mais recentes do Supremo Tribunal Federal (STF) sobre o
tema, que afastam a tributação.
A jurisprudência não é pacífica nos tribunais. Tanto é que o
próprio STF começou a julgar no dia 11 se a há repercussão geral na matéria,
para que seja uniformizado o entendimento no Judiciário. Já existem cinco votos
admitindo a repercussão da controvérsia, incluindo o voto do relator, ministro
Gilmar Mendes. A análise se encerra amanhã, no Plenário Virtual.
O julgamento no STF trata apenas dos casos de antecipação da
legítima (doação de bens aos herdeiros necessários em vida), mas advogados
entendem que também se aplica aos processos de sucessão após a morte. Na Corte,
há divergência entre as duas turmas que tratam do assunto. O julgado mais
recente da 1ª Turma, de outubro, foi unânime a favor dos contribuintes (RE
1439539). Já a 2ª Turma tem entendimento desfavorável, conforme precedente de
março de 2024 (RE 1425609).
Além desses casos, foram proferidas outras três decisões
pelo STF sobre o tema, segundo levantamento feito pelo Diamantino Advogados
Associados a pedido do Valor. Em dois desses processos, os ministros foram a
favor da incidência do IRPF (RE 1437588 e RE 1269201). No terceiro caso, da 1ª
Turma, foram contra a cobrança do tributo (ARE 1387761).
No caso julgado pelo TRF-2, o contribuinte esperava manter a
sentença favorável obtida com base nos precedentes mais recentes do STF. Mas
prevaleceu, na 3ª Turma, a tese da Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional
(PGFN) de que o tributo federal deve ser cobrado sobre o ganho de capital dos
bens, quando a herança é transferida, conforme o artigo 23 da Lei nº
9.532/1997. O imposto incidiria sobre a diferença entre o valor de mercado e o
histórico (da declaração do doador).
“STF terá que esclarecer se a mesma base é hipótese de
incidência tanto do ITCMD quanto do IRPF”
Os contribuintes alegam que não pode haver a incidência do
IRPF na operação porque o Estado do Rio de Janeiro já cobra o Imposto sobre
Transmissão Causa Mortis e Doação (ITCMD) sobre a transferência e, portanto,
haveria bitributação. E que não há acréscimo patrimonial ao espólio, pois ele
está se desfazendo dos ativos.
O processo chegou à Justiça por meio de um mandado de
segurança preventivo movido por três herdeiras após a morte do patriarca, que
deixou como herança ações da Vale, do Banco do Brasil, da Ambev e uma cobertura
no Rio de Janeiro. Como já foi pago 8% de ITCMD sobre o valor de mercado de
cada bem herdado, buscam afastar a cobrança de 15% de IRPF, de cerca de R$ 3,5
milhões (processo nº 5036182-85.2024.4.02.5101).
O relator, o desembargador Paulo Leite, acatou os argumentos
da Fazenda. Entendeu que os fatos geradores e bases de cálculos dos impostos
são distintos, além de serem recolhidos por contribuintes diferentes, por isso,
não há bitributação.
Enquanto o IRPF é recolhido pelo doador na “aquisição de
disponibilidade econômica ou jurídica de rendimento”, o ITCMD é pago pelos
herdeiros na transmissão da propriedade. Além disso, acrescenta, conforme
dispõe a Lei Estadual nº 7.174, de 2015, o imposto estadual incide sobre o
valor de mercado do imóvel e não sobre o ganho de capital.
“Uma vez que não se verifica coincidência entre elementos
constitutivos do IRPF e do ITCMD não se vislumbra ilegalidade da União
Federal/Fazenda Nacional ao submeter o acréscimo patrimonial decorrente do
ganho de capital dos bens transferidos pelo espólio aos herdeiros, a valor
atualizado”, afirma o desembargador.
Leite ainda diz que a lei dá a opção aos herdeiros de não
atualizarem o bem pelo valor de mercado, mantendo o valor de custo, para não
incidir IRPF. E que os precedentes do STF não se aplicam ao caso. Portanto,
“não há que se falar em inobservância da jurisprudência sobre a questão”.
O tributarista Edgar Gomes, sócio do TAGD Advogados e que
representa as herdeiras no caso, afirma que vai recorrer. “Entendemos que há
uma bitributação indevida, porque já existe o pagamento do ITD ao Estado do Rio
de Janeiro", diz. Ele acrescenta que, apesar de as bases de cálculo serem
diferentes, a do IRPF está incluída na base do ITCMD, que é mais ampla, pois a
alíquota incide sobre todo o valor de mercado do imóvel e não apenas sobre a
diferença entre esse montante e o valor histórico.
Gomes afirma que não foram aplicados os precedentes mais
recentes do STF. Para ele, o tema em análise de repercussão geral se aplica ao
processo. “É o mesmo imposto, mesmo fato gerador, que é transferência do bem do
de cujus para o herdeiro ou donatário. Não tem razão para haver distinção e dar
essa possibilidade de planejamento tributário em vida, mas não aplicar na
sucessão propriamente dita”, completa.
Essa também é posição da tributarista Luiza Lacerda, sócia
do BMA Advogados. “Não vejo como não aplicar os precedentes sobre doação no
caso de transmissão causa mortis, porque as decisões da 1ª Turma do STF são no
sentido de que o doador não apura acréscimo patrimonial quando dispõe de seu
patrimônio em favor do herdeiro ou donatário”, diz.
Outro argumento que impede a cobrança, segundo Luiza, é a
incompetência da União para tributar doações. No julgamento do STF, os
ministros devem se pronunciar sobre essa questão, tratada no projeto de lei nº
1087/2025, do governo federal, que amplia a isenção do IR. Na proposta, a
advogada afirma que também é prevista a tributação sobre doações, exceto as de
antecipação de legítima. “O Supremo vai dar uma dica se o PL pode ou não
sobreviver dessa forma”, afirma.
O tributarista Eduardo Diamantino, sócio do Diamantino
Advogados Associados, diz que a maioria das decisões judiciais é contra os
contribuintes na matéria. “Sempre foi um tema conflitante”, afirma. “A grande
questão que o STF vai ter que esclarecer é se a mesma base econômica, que é o
valor de mercado do bem, é hipótese de incidência tanto do ITCMD quanto do
IRPF.”
Segundo ele, o caso do TRF-2, assim como todos do
Judiciário, deve ter a tramitação suspensa após a admissão da repercussão geral
do tema. A delimitação da controvérsia pelo relator, de só considerar os casos
de antecipação de herança, pode ser um “preciosismo” do STF, pois a discussão é
a mesma.
Procurada pelo Valor, a PGFN não deu retorno até o
fechamento da edição.
Fonte: Valor Econômico